sábado, 29 de abril de 2017

A PEDAGOGIA DO DESENHO

Tem coisas que é preciso desenhar, senão o freguês não entende exatamente o ponto de vista. Aí você tem de ser paciente e explicar nos detalhes como tudo funciona. Não penso ter péssima didática, às vezes é preciso repetir, mas quase sempre consigo me fazer entender. O problema é quando me deparo com o vivente sem jeito para pegar a ideia, nem mesmo no tranco. Penso que para ser professor, há que se ter muita calma. Os Irmãos Maristas podem dizer das minhas travessuras. Mas naquela época se apanhava de padre e tudo ficava numa boa, contar em casa, nem pensar, outra surra, na certa. É que este que vos fala aprontou o que pôde e apronta o que pode, sem freio religioso ou político. A encrenca era que eu entendia a ideia deles e eles não entendiam as minhas. Atrito contínuo. Desde então, procuro desenhar bem o pensamento para que não haja dúvidas de que estou convicto do que quero e do caminho a seguir. Consegui pegar o lado positivo do problema. E a gente vai, também, pegando conclusões aqui e ali, para se mexer sem muita pancada na ebulição dessa panela social em que vivemos.
O cara ficou me olhando de uma maneira patética quando eu expliquei a receita jurídica para a solução do seu problema. Que barbaridade. - Vamos em frente, pega o lápis na mão e faz só o esqueleto da coisa, sem muito detalhe ou alarido. Foi então que eu vi que não era só aparência, o cidadão era pateta mesmo. Aquele metido a saber de tudo e de todos, que ao se ver em sinuca, faz cara de bobo.
Sei lá das artimanhas que passam pela cabeça de cada um, só digo que quando o interlocutor se arrepia, eu vejo na hora e procuro deixar tudo quieto, me vou sem muito alarde para as minhas considerações finais.
Foi assim que deixei a cena do diálogo, concluindo que tem gente que não quer entender, ou por ser muito difícil para seus neurônios trabalharem ou porque a verdade às vezes dói. No mais, tentei ajudar e vi que alguns poucos merecem atenção.
A Logosofia nos diz que se deve ajudar a quem merece e eu tento praticar a lógica, mesmo desenhando por duas vezes, no máximo, a ideia. Se pegou, atinjo meu objetivo, senão, segue-se adiante sem cargas inúteis na mochila.
Oportuna a imagem que retrata um monte de gente se afundando num pântano e você ali tentando salvar o maior número de pessoas possível. Alcanço o bastão para quem estiver em condições de ajudar a salvar outros e não perco meu tempo com quem já está só com a mão de fora da lama. Tem aquela da máscara de oxigênio do avião, que quando cai deve ser pega pelo adulto, pelo capaz, não pela criança. É lógico. Segue o barco. A mão fora da lama só tinha quatro dedos, faltava o mindinho. Ficou bem desenhado.

Renato Maurício Basso


PONTO DE VISTA
Cada um com o seu. Eu tenho os meus sobre muita coisa, até quanto à existência. Tento me posicionar na trama social como posso e como entendo melhor.
O velho, me pareceu, tem um ponto de vista para cada fato, sem alternativas. A mulher berrava ao celular sobre a bitola de uma torneira e eu ao lado, com o número da senha para atendimento. Faltavam para mim uns três até ser chamado, quando o velho, com um cabo de enxada nas mãos puxou conversa. Balbuciou algo sobre seu número de chamada e eu, com respeito, me levantei para lhe dar atenção. De chofre me disse que havia uma irregularidade no local. O policial militar que estava à nossa frente portava uma pistola automática na cintura e ele disse que tem uma lei que proíbe pessoas armadas em recintos de comércio. Lhe falei que talvez ele estivesse em serviço e que não tinha lugar seguro para deixar sua arma e ele, meio incomodado, não aceitou. Sem parar de argumentar, apontou para um senhor que estava ao meu lado com óculos escuros e lascou “e de óculos escuros também não pode ficar dentro da loja”. O cidadão justificou que havia perdido seus óculos de grau e que precisava usar o de sol, que também tinha a mesma graduação, para poder enxergar, mas o velho não quis saber e saiu resmungando ao ser chamado para atendimento.
O coitado não se dava oportunidade de encarar as coisas de modo diferente do que via. Só tinha uma perspectiva sobre um único fato, um único ponto de vista.

Renato Maurício Basso


LAVA JATO

Diz o dito popular que “cabeça vazia é oficina do diabo”. É que ando meio parado com as lides profissionais e me pego, vez ou outra, em momentos de lucidez dentro do contexto político-social desse nosso Berço Esplêndido. A armação, o esqueleto da coisa, é de assustar microempresário e botar os de cima do muro pra correr.
Eis que me deparo com a possibilidade de ir em frente ao prédio onde trabalha o Juiz Sérgio Moro, em Curitiba. Fui lá para dar uma força ao destemido, esse negócio de energia vibrante, que você acredita poder sua presença no local, mudar a cena do drama.
Cheguei como protagonista e falei para todos que estavam ali, das minhas intenções no local. De imediato saltou um repórter do SBT MASSA e disse que eu precisava falar com um tal Carlos, o de terno azul e gravata vermelha que estava com o microfone na mão e direcionado para uma câmera.
O tal Carlos largou o que estava fazendo e já queria saber da minha procedência, do meu posicionamento em relação à operação “Lava Chato”. Eu, direto, lhe disse que já é hora de fazer uma faxina geral e jogar muita creolina para desinfetar o nosso Brasil de comunistas.
Ele balbuciou umas palavras incompreensíveis e o rapaz da câmera baixou a aparelhagem. Eu fiquei sem entender nada e indaguei sobre o que sucedia e o Carlito saiu pela tangente. O amigo ao lado perguntou se ele era comunista e a resposta foi que a reportagem não podia comentar posicionamentos políticos, que não era o foco do seu trabalho no momento. E eu pensando em mandar um recado maroto pro Stedile, fiquei com o pincel na mão.
Foi então que vi, do outro lado da rua, uma cabana coberta com lona impermeável, sem proteção contra vento e chuva nas laterais. No chão, pelo menos,  tinha estrado de madeira, mesas, cadeiras e humilde sistema de som. Era o pessoal do “Acampamento Lava Jato”, com quem logo nos entrosamos e desabafamos as mágoas do silêncio. Me disseram que o Carlos “era assim mesmo” e que só publicava o que lhe dava na telha. As vezes até gravava, mas não colocava no ar quando não lhe conviesse.
Como a friagem já estava castigando, o pessoal disse que estava aguardando melhorar o tempo para que alguns voluntários colocassem uma lona transparente nas laterais da barraca. Eu, sem meu pala velho, peguei meu caminho, não sem antes ajudar da minha forma o grupo. Acho que agitei a vibração da moçada e a energia disso, não tenho dúvidas, deve ter se acercado no nosso Magistrado.
É a velha imprensa de guerra. Seu recruta estava com a arma na mão, enquanto o seu general Ratinho senta o porrete nos políticos em seu programa noturno. Alguma coisa não fecha. Mas, será que a “Grobo” gravaria?
Parabéns ao Grupo, aos soldados da Lava Jato!

Renato Maurício Basso
Juiz aposentado