sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Trechos do livro "O Arroz de Palma", de Francisco Azevedo.


"Família é prato difícil de preparar.

São muitos ingredientes.

Reunir todos é um problema...

Não é para qualquer um.

Os truques, os segredos, o imprevisível.

Às vezes, dá até vontade de desistir...

Mas a vida... sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.

O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.

Súbito, feito milagre, a família está servida.

Fulana sai a mais inteligente de todas.

Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade.

Sicrano, quem diria?

Solou, endureceu, murchou antes do tempo.

Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante.

Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe.

Ela, a mais apaixonada.

A outra, a mais consistente...

Já estão aí? Todos? Ótimo!

Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados.

Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola.

Não se envergonhe de chorar.

Família é prato que emociona.

E a gente chora mesmo.

De alegria, de raiva ou de tristeza.

Primeiro cuidado: Temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.

Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.

Atenção também com os pesos e as medidas.

Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto: É um verdadeiro desastre.

Família é prato extremamente sensível.

Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido.

Outra coisa: É preciso ter boa mão, ser profissional.

Principalmente na hora que se decide meter a colher.

Saber meter a colher é verdadeira arte.

As vezes o ídolo da família,  o bonzinho, o bola cheia que sempre ajudou azedou a comida só porque meteu a colher.

O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita.

Bobagem!

Tudo ilusão!

Família é afinidade, é à Moda da Casa.

E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.

Há famílias doces.

Outras, meio amargas.

Outras apimentadíssimas.

Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.

Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo.

Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.

Enfim, receita de família não se copia, se inventa.

A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia.

A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel.

Muita coisa se perde na lembrança.

O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer.

Se puder saborear, saboreie.

Não ligue para etiquetas.

Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.

Aproveite ao máximo.

Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete!

Família:

Feliz quem tem e sabe curtir, aproveitar e valorizar..."
Família projeto de Deus

Entao...
Amém-se, Perdoem -se, Aceitem-se, Suportem-se e vivam como se hoje fosse o último dia que você vai estar com a sua família!
Família privilégio pra quem a tem!



Renato M. Basso
Juiz aposentado

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A PSICOLOGIA DA PINGA

                         
O Direito restringe-se às relações humanas. A Psicanálise ao entendimento empírico da mente. Se pudermos educar, moldar, menos leis precisaremos. Seria o caos tirar direitos sem compensação de entendimentos. Os britânicos nunca escreveram sua constituição, mas todos sabem seus termos e sabem que devem segui-los. Mesmo que o álcool fosse proibido, o dependente iria fazer o diabo por um gole. Os pensadores poderiam construir uma nova maneira de pensar. Talvez, com a divulgação mais ampla dos mais recentes estudos sobre cromossomos e com um programa de educação específico, se possa frear o desequilíbrio mental que assola o mundo, causado pelo uso incontido do álcool.
                    *
                          
Dia chuvoso, a velharada de pijama e o monólogo já me enfastiava. Desci e fui tomar água de coco, depois do chimarrão.
Estava meio disposto a ver o que acontecia no quiosque da frente da minha casa. Quando passei, vi cocos entrelaçados, pendurados na aba da cabana, na chuva, tinindo.
Na volta da caminhada parei. Já chegava antes de mim, meio na pressa, o ciclista fissurado. Os dois dentes que lhe faltavam no limpa trilhos, não desautorizaram sua simpatia para com a moça, que o serviu na medida. Copo liso e cheio, dos graúdos, foi sorvido em metade, num golpe só, enquanto já se enchia para ele, com um pouco de espuma, outro copo de cerveja em lata.
Aguardei ser atendido, olhei para o copo liso, na bancada em frente, onde o ameríndio era protegido da chuva por uma lona improvisada, e lasquei a pergunta mesmo diante da cara de brabo do vivente.
- O da tua esquerda é pinga? Porquê, se for, te digo que é a minha bebida favorita. É, e tenho razões para isso, uma coisa atávica. Vai que no passado eu tenha sido um degustador de pinga, lá nas Minas Gerais, e não tenha perdido a manha! Para explicar melhor, eu disse que o álcool provoca na mente uma série de distúrbios às vezes difíceis de controlar, como cabra macho que bate na patroa depois de uns goles a mais. A minha dose para não cair em desgraça é de um copinho de destilado, em média, de vinte em vinte dias.
A fenda escura da falta de dentes ficou mais iluminada e agora parecia uma oca coberta pelos fios tordilhos do bigode desengonçado. Durante o sorriso passou a afirmar que, também, cuidava para “não dar o passo maior que a perna”, e quando falei que se o fígado reclama tem que parar, concordou prontamente com a cabeça em movimento e os olhos estalados.
A fisionomia de quem foi pego de surpresa continuou na sua fachada, quando contei a história de um amigo meu, não lembro o nome, que largou o costume porque depois do uísque queria bater em todo o mundo. Parou porque estava passando a apanhar e estava meio envergonhado com a situação. Ia finalizar com a máxima “não fazendo o mal, tudo bem” e o homem se largou a dizer das suas experiências e das vivências que o levam para o lado dos bons.
Quando ele falou que colidiu com uma porta de automóvel aberta sem cautela por um idoso, eu disse que iria botar minhas pantufas de molho, e me mandei dando risadas.
Ah, a gargalhada de alegria que ouvi, já há uns dez passos, foi gratificante. Acho que já tenho um eleitor.
Psicologia é uma coisa interessante, não é mesmo? Faz até bêbado pensar um pouco.
Mas se não saio de fininho, teria de cortar caminho.

Renato Maurício Basso

Juiz aposentado